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Para proporcionar a melhor experiência aos colaboradores e não cometer injustiças é necessário considerar todos os seus elementos identitários (gênero, raça, condições socioeconômicas, entre outros). Empresas que entendem a importância da interseccionalidade no trabalho estão melhor preparadas para um ambiente diverso e inclusivo de verdade.


Para entender o que é a interseccionalidade e o que ela se tornou é preciso conhecer o trabalho de Kimberlé Crenshaw sobre raça e direitos civis. Mulher negra formada na Universidade de Cornell, na Universidade de Harvard e na Universidade de Wisconsin, ela concentrou grande parte dos seus estudos na Teoria Crítica da Raça.

Crenshaw não acreditava que o racismo deixasse de existir em 1965 com a aprovação da Lei dos Direitos Civis, nem que o racismo fosse uma mera aberração de vários séculos que, uma vez corrigida pela ação legislativa, não afetaria mais a lei ou as pessoas que dependem delas. 

Em sua pesquisa Crenshaw traz que a sub-representação minoritária em espaços de poder e a discriminação permanecem por causa da resistência persistente das estruturas de domínio dos brancos. Em outras palavras, a ordem legal e socioeconômica foi amplamente construída em cima do racismo.

Isso nos leva ao conceito de interseccionalidade, que tornou-se popular e chegou ao Oxford English Dictionary em 2015. Além disso, ele ganhou atenção generalizada durante a Marcha das Mulheres de 2017, um evento cujos organizadores observaram como as “identidades cruzadas” das mulheres significava que elas foram impactadas por uma infinidade de questões de justiça social e direitos humanos.

Afinal, o que é interseccionalidade?

Em 1968, uma mulher chamada Emma DeGraffenreid se juntou com outras quatro mulheres negras e processou uma empresa de venda de automóveis por discriminação trabalhista. O argumento dela era de que a empresa não as contratava por conta de sua cor da pele. 

A corte, no entanto, concluiu que isso seria impossível pois a organização tinha mulheres brancas como secretárias e homens negros como operários. Por tratar de discriminação de gênero e discriminação de raça separadamente, a justiça não percebia que o problema se encontrava na interseção entre sexismo e racismo.

Esse caso deixa claro sobre o porquê devemos falar sobre esse assunto no mundo corporativo.

Uma análise interseccional considera todos os fatores que se aplicam a um indivíduo em combinação, em vez de considerar cada fator isoladamente, o que precisa acontecer desde a atração e seleção de jovens talentos até a capacitação e promoção dos mais seniores.

Você já observou esses aspectos na sua empresa?

A Teoria Interseccional é o estudo da sobreposição de identidades sociais e sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação. Como falamos, ela sugere e procura examinar como diferentes categorias biológicas, sociais e culturais interagem em níveis múltiplos e muitas vezes simultâneos.

A interseccionalidade sustenta que as conceituações clássicas de opressão dentro da sociedade — tais como o racismo, o sexismo, o classismo, o capacitismo, a xenofobia, a bifobia, a homofobia, a transfobia e a intolerâncias baseadas em crenças — não age independentemente uns dos outros.

Essas formas de preconceito se inter-relacionam, criando um sistema que reflete o “cruzamento” de múltiplas formas de discriminação.

Esses eixos de identidades incluem mas não se limitam a:

  • Sexualidade;
  • Raça;
  • Cultura;
  • Orientação sexual;
  • Idade;
  • Identidade de gênero;
  • Classe social;
  • Religião;
  • Nacionalidade;
  • Etnia;
  • Ocupação.

interseccionalidade no trabalho

No Brasil, a filósofa e escritora Djamilla Ribeiro traz a importância da interseccionalidade para pensar em como criar meios de pautar nossas políticas de modo que toda a diversidade seja acolhida, desde a gestão pública até o mercado de trabalho.

(…) Na hora de pensar políticas eu preciso ter um olhar interseccional, porque eu preciso atingir grupos mais vulneráveis. Então, se eu universalizo [um grupo ou uma luta] eu não nomeio o problema. E se eu não faço isso, essas pessoas ficam na invisibilidade, os problemas delas sequer são nomeados e, se eu não nomeio o problema, eu sequer vou conseguir pensar numa solução”.

Precisamos aplicar a interseccionalidade no dia a dia do nosso trabalho

A interseccionalidade pode parecer teórica, mas deve ser utilizada na prática. Não importa como ou quando você se envolveu com o trabalho da diversidade, é sempre possível integrar de forma mais completa a interseccionalidade às estratégias da empresa.

A YW Boston, organização que atua com foco na promoção de equidade social, listou estas dicas para você, seu time e a sua organização refletirem:

Dica #1: Reconheça a diferença

Muitas vezes parece ser mais fácil acreditar e explicar aos outros que “todas as mulheres sentem” de uma certa maneira ou que “as pessoas LGBTI+ acreditam” em algum entendimento comum, mas isso não reflete a realidade. Devemos reconhecer que todas as experiências de vida são únicas e válidas, sobretudo as que envolvem múltiplas opressões sobrepostas.

Não deixe de admitir que as pessoas experimentam o mundo de maneira diferente com base em seus marcadores de identidade sobrepostos. Uma mulher pode não ter a mesma opinião sobre determinado assunto que outra mulher simplesmente por não se encontrarem na mesma camada socioeconômica, por exemplo, ou por terem orientações sexuais ou religiões diferentes.

Dica #2: Evite linguagem simplificada 

Uma vez que reconhecemos essa diferença podemos nos afastar da linguagem que procura definir as pessoas por uma identidade singular. Depois da Marcha das Mulheres você deve ter ouvido falar que muitas pessoas e aliados trans se sentiam desconfortáveis ​​com os temas da marcha centrados no órgão feminino. 

Assumir que todas as mulheres são definidas por seus corpos é uma simplificação excessiva que apaga as experiências daqueles que existem além do binarismo de gênero. Ao evitar uma linguagem que pressupõe que nossas próprias experiências sejam básicas, podemos nos abrir para ouvir os pontos de vista dos outros. 

Vemos isso também quando as pessoas se sentem desconfortáveis ao pedir os pronomes preferidos de outra pessoa. No entanto, devemos fazer isso para ir além de nossas suposições e das nossas experiências comuns. Afinal, nem toda pessoa LGBTI+ gosta de ser chamada pelo pronome ligado ao seu nome de registro. Você deve direcionar a sua linguagem perguntando a ela como prefere ser chamada.

Dica #3: Analise o espaço que você ocupa

Estar à vontade para reconhecer a diferença também envolve apontar quando essa diferença não é representada nos espaços que você ocupa. Diversidade de todos os tipos importa em seu local de trabalho, seu ativismo, seus espaços comunitários e muito mais. Se você estiver se reunindo com uma organização local LGBTI+, há representação de pessoas negras no grupo? 

Você pode achar que seu local de trabalho é racial e etnicamente diversificado, mas ele também é acessível a pessoas com deficiência? Tome nota das práticas de acolhimento ou distanciamento dos espaços que frequenta para ganhar mais sensibilidade sobre o assunto.

Dica #4: Procure outros pontos de vista

Explore as narrativas daqueles com diferentes identidades interligadas. Isso inclui cercar-se de outras pessoas com identidades entrelaçadas diferentes. Lembre-se de que, muitas vezes, mesmo quando você tem um grupo diversificado de pessoas em um espaço ativista, cabe às pessoas educarem outras pessoas sobre as opressões que elas enfrentam. 

Quando essas pessoas compartilharem suas experiências, aproveite a oportunidade para ouvir. 

No entanto, não espere que pessoas com marcadores de identidade diferentes dos seus estejam lá ou queiram educar as outras pessoas. Se for esse o caso, procure narrativas intersetoriais existentes no seu tempo livre.

Se você não tiver certeza sobre um conceito ou quiser saber mais sobre um cruzamento específico de identidade, pesquise no Google! Isso ajudará a estar melhor preparado para iniciar conversas e progredir junto às outras pessoas.

Dica #5: Comprometa-se

Não espere que as pessoas que enfrentam diferentes sistemas de opressão possam se unir às causas pelas quais você se preocupa se você não se unir às deles. Ao ouvir sobre os problemas enfrentados por outras pessoas, busque aprender mais sobre o que já está sendo realizado atualmente em prol dessas causas. 

Ouça aqueles que vivem com as mesmas identidades interseccionais que você no seu dia a dia. Ao fazer isso você provavelmente aprofundará a compreensão da sua própria identidade e dos assuntos mais importantes para você. 

O que você deve levar de tudo isso?

Identifique as suas identidades, saiba dos seus privilégios e das suas desvantagens.

Quando estiver falando sobre os obstáculos encontrados dentro da comunidade x ou pelo movimento y, leve em conta que existem milhares de identidades se misturando em uma única pessoa e que, por isso, nem sempre podemos falar de forma generalizada.

Tente pensar além do singular. Entenda que mesmo quando pertencemos a um grupo, ainda assim somos diferentes. 

Ficou interessado neste tipo de assunto? Acompanhe a curadoria Eureca para ainda mais conteúdos como este 🙂 

Victor Feitosa

Comunicólogo cearense que atua com programas de desenvolvimento pessoal. Um estudioso e apaixonado por educação, liderança e diversidade. Acredita que esses três pilares podem mudar o mundo se tivermos as pessoas certas nos lugares certos. No mais, adora filmes de terror, séries intrigantes e música pop.

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