O lugar de fala nas empresas está intrinsecamente ligado a outras questões e conceitos. Em qualquer meio, inclusive no corporativo, é preciso buscar um visão sistêmica para que a teoria e a prática proporcionem um norte claro de como pensar e agir respeitando o espaço de todos.
A temática de diversidade e inclusão ganhou muita relevância nos últimos anos e proporcionou um aumento significativo de debates dentro e fora das organizações. Como consequência, as partes envolvidas nesses espaços capazes de endereçar as questões a partir de suas vivências reais começaram a ganhar vez e voz.
O conceito de lugar de fala representa a busca pelo fim da mediação: a pessoa que sofre preconceito fala por si, como protagonista da própria luta e movimento.
É um mecanismo que surgiu como contraponto ao silenciamento da voz de minorias sociais por grupos privilegiados nos mais diversos espaços, como na política e no mercado de trabalho. Ele é utilizado por grupos que historicamente têm menos oportunidade para expor suas opiniões e tomar decisões.
Assim, pessoas negras têm mais legitimidade para falar sobre o racismo, mulheres sobre o feminismo, transexuais sobre a transfobia e assim por diante.
Quando um aliado tem consciência de seu dever de promover a inclusão, seja uma pessoa ou organização, precisa lembrar também de externá-la por meio da voz e da ação para influenciar e transformar os outros ao seu redor.
Os mitos sobre o lugar de fala
#1: todos no mesmo pacote
O lugar de fala vêm da linha de Teoria Racial Crítica, associada com teorias feministas e raciais. Desde o princípio foi pensado de forma interseccional com foco na mulher negra e ao longo do tempo a proposta passou a ser transferível para outras categorias, como a comunidade LGBTI+.
A interseccionalidade é um conceito que busca integrar a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um enfoque integrado. Na prática isso significa que devemos olhar para questões sociais considerando todos nossos elementos identitários, como sexo/gênero, classe, raça, etnicidade, idade, deficiência, orientação sexual, dentre outros.
Por exemplo, há diferentes lugares sociais entre a mulher branca heterossexual quando comparada com a mulher negra lésbica ou com a mulher branca cega, e isso deve ser levado em consideração para desenhar políticas de diversidade e inclusão.
#2: ter ou não ter, eis a questão
É muito comum ouvirmos alguém dizer que “não tem lugar de fala”. Todas pessoas possuem lugar de fala porque se trata de um lugar social, não de um espaço físico.
O ponto aqui não é sobre “quem pode” e “quem não pode” falar. Isso inclusive já é garantido pela Constituição Federal como liberdade de expressão e de discurso, sendo um preceito do princípio democrático. Inclusive, excluir alguém de um grupo específico por acreditar que a pessoa não tem lugar de fala é algo a ser repensado.
A questão é que você deve se posicionar a partir do seu lugar de fala entendendo que qualquer tema em questão não diz respeito apenas ao seu histórico individual. Ou seja, tudo está conectado a um conjunto de experiências e vivências coletivas comuns de indivíduos que são categorizados em determinado contexto e atravessam uma matriz de dominação.
#3: teoria versus prática
Em espaços de debate um homem branco pode falar sobre o que é racismo como conceito (sempre com embasamento). No entanto, este homem não pode, de forma alguma, argumentar sobre o tema como experiência ou consequência da mesma. Essa é a grande diferença entre a teoria e a prática.
Quando falamos de matriz de dominação temos no centro o indivíduo que coleciona categorias hegemônicas (homem, branco, cisgênero, heterossexual). Nesse contexto, o mais importante é que essa pessoa tenha consciência e responsabilidade social do seu lugar de fala. Logo, é fundamental que ele saiba dos seus privilégios e da sua vantagem sobre os indivíduos socialmente periféricos.
Uma atenção à adesão total do lugar de fala num debate público é que ele pode restringir a troca de ideias. Exemplo: um homem não deveria ser impedido de falar sobre o feminismo, como defende algumas correntes do movimento feminista. Para especialistas, é importante saber como e quando você deve falar:
O que também precisamos saber?
O lugar de fala nas empresas está intrinsecamente ligado a outras questões e conceitos. Por isso, é preciso buscar um visão sistêmica para que a teoria e a prática proporcionem um norte claro de como pensar e agir. Conheça os três principais assuntos:
Representatividade
Segundo o dicionário Michaelis, esse conceito é uma variação do adjetivo “representativo”, que significa algo (organização, pessoa, entre outros) que representa uma pessoa ou grupo de pessoas.
O “lugar de fala“ e a representatividade “estão interligados, mas não são correlatos”, como destaca a professora Rosane Borges. Ela também ressaltou, em entrevista para o Nexo, que mesmo pessoas que integram grupos que são minoria social podem reproduzir preconceitos. Uma mulher branca, ainda que feminista, pode eventualmente reproduzir machismo a partir de atitudes que se tornaram corriqueiras devido ao senso comum e a tradição.
Borges explica que a interligação entre representatividade e lugar de fala acontece porque minorias e privilegiados encontram dificuldade em relacionar o termo à responsabilidade. Ela cita a filósofa alemã Hannah Arendt ao dizer que é necessário pensar o preconceito a partir da tese de culpa e responsabilidade. Isso quer dizer que você não tem culpa pelo histórico do seu grupo identitário, mas tem responsabilidade pelos próximos passos coletivos e individuais.
Empatia
Já dizia Rubem Alves: “A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa”.
A escuta ativa é uma das principais aliadas da empatia. Você não precisa diluir suas crenças para entender que o outro tem direito a escolhas diferentes. É perfeitamente possível captar uma lógica distinta de suas convicções sem, contudo, assumi-la como nova verdade em sua vida.
A empatia é o ato imaginativo de entrar no lugar de outra pessoa e ver o mundo da perspectiva deles.
Djamila Ribeiro, filósofa brasileira e uma das referências no assunto, comenta a relação entre empatia e lugar de falar: “eu não sei o que é [estar no lugar do outro], mas posso refletir criticamente sobre aquilo, eu posso ler, escutar o que essas pessoas estão falando para entender essa realidade”.
Ela continua: “a gente pode pensar sobre tudo, desde que a gente entenda que a gente é marcado por um lugar social, por uma raça, por um gênero, que ninguém é neutro, ninguém é universal. Como podemos pensar do nosso lugar maneiras de construir um projeto de solidariedade maior que dê conta de diminuir essas distâncias entre nós?”.
Segurança psicológica
A segurança psicológica se dá na criação de um espaço no qual as pessoas sentem-se confortáveis e encorajadas a se expressar, opinar, interagir e pertencer.
Este conceito não é apenas uma coisa boa de se ter para criar vínculos de equipe e cultura no local de trabalho, mas sim uma necessidade para o crescimento da empresa e o sucesso a longo prazo. Trata-se de líderes que empoderam qualquer funcionário, seja de nível básico ou executivo sênior.
Como resultado, o colaborador se sentirá apoiado para colocar a sua voz e ocupar todos os espaços sabendo que esse processo pode levar à inovação, não ao constrangimento.
Como promover o lugar de fala nas empresas?
No trabalho, políticas em constante mudança impactam os indivíduos de diferentes maneiras e podem perpetuar as desigualdades, como status socioeconômico ou estrutura familiar.
Por isso, todas as organizações devem tomar medidas (agora) para continuar a fortalecer a diversidade e construir culturas inclusivas por meio de novas estratégias de comunicação (internas e externas), programas, práticas de coleta de dados e intervenções que impulsionam em direção a um ambiente mais justo.
E as lideranças devem adaptar também a prática diária da liderança inclusiva para alcançar esses objetivos. Nesse sentido, algumas ações importantes são:
- Comprometimento: é necessário firmar um compromisso público que responsabiliza a organização e suas ações para que grupos minorizados possam ter um espaço de trabalho acolhedor;
- Inteligência cultural: foco em soluções de curto e longo prazo por meio de treinamentos e experiências que aumentam a sensibilidade sociocultural da equipe e incentivam o respeito e a aliança entre todos os indivíduos;
- Curiosidade: cabe aos tomadores de decisão aprender com as mudanças que tiveram um impacto positivo e identificar maneiras de estimular novos espaços, sempre com bastante humildade e vontade de aprender.
É preciso não perder de vista o objetivo original, que continua valendo para aqueles que tiverem interesse em contribuir para um debate mais fértil: dar voz a quem até pouco tempo não era ouvido.
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