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Assim como o mercado de trabalho, o modelo de negócios das empresas tem evoluído com o passar dos anos e é perceptível a adoção de metodologias e crenças cada vez mais centradas no humano. Mas de que forma essa transformação impacta o mundo da gestão de pessoas e como podemos nos preparar para lidar com essa tendência?


O termo “humanização nas empresas” vem ganhando cada vez mais popularidade.

De acordo com o estudo Empresas Humanizadas, realizado por pesquisadores da USP São Carlos com 1115 empresas, avaliação de 900 mil consumidores e 136 mil colaboradores, empresas humanizadas podem alcançar mais do que o dobro de rentabilidade financeira em um período de 4 a 16 anos.

Segundo o levantamento, a preocupação com os pilares de propósito, liderança e cultura consciente e com a orientação para stakeholders gera mais engajamento dos colaboradores — 225% de aumento — e 240% de aumento na fidelidade dos clientes.

Capitalismo consciente e negócios humanizados

Nos últimos anos o Capitalismo Consciente surgiu no Brasil como um grande movimento alinhado aos rumos de negócios humanizados. Na prática, o objetivo é conduzir negócios que criem diferentes valores para todas as partes interessadas (ou stakeholders) como financeiro, intelectual, físico, ecológico, social, cultural, emocional, ético e até mesmo espiritual.

No Capitalismo Consciente há três fatores principais:

  • A preocupação crescente com a degradação ambiental e com a disseminação da miséria;
  • A conscientização de que a solução desses problemas só será possível com a participação ativa do mundo empresarial (Kofi Annan, quando Secretário Geral da ONU, disse que as soluções para a pobreza, a degradação ambiental e outros desafios não poderão ser encontradas se o setor privado não estiver envolvido);
  • O impulso dado pelas Nações Unidas pelo estabelecimento dos Objetivos do Milênio (desde 2015 conhecidos como Objetivos do Desenvolvimento) e pela criação do Pacto Global (que definiu os princípios de envolvimento do setor privado na solução dos problemas da humanidade).

Thomas Eckschmidt, um dos membros do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, reforça que o movimento é uma prática que usa a força das empresas para servir ao desenvolvimento da humanidade. Segundo ele, são quatro princípios básicos que norteiam uma empresa consciente: propósito, orientação para stakeholders, liderança e cultura conscientes. 

Esses princípios auxiliam empresas criando confiança e negócios saudáveis, perenes e resilientes, e por isso estão diretamente conectados com o conceito de humanização, que está relacionado à valorização das pessoas e das equipes, exaltando características como compaixão, benevolência e empatia.

A humanização é tendência e tem se estabelecido em diversas áreas, com destaque para a tecnologia – campo de grande parte das startups – e saúde. Em vez de priorizar apenas a lucratividade e o resultado financeiro, entram na pauta temas como qualidade de vida, saúde e segurança no trabalho, saúde mental, autoconhecimento, educação continuada e outros quesitos.

O objetivo é construir relações em que todos ganham:

  • o empregado ganha aperfeiçoamento e crescimento profissional;
  • a empresa, um colaborador mais dedicado, comprometido e realizado;
  • o cliente, maior atenção no atendimento, agilidade e foco na solução de problemas;
  • por fim, a sociedade ganha com organizações mais produtivas, que colaboram com a formação de cidadãos saudáveis e satisfeitos.

Essa dinâmica se contrapõe ao princípio da busca pelo lucro acima das necessidades dos indivíduos, sejam eles colaboradores ou clientes externos. E quando os gestores apostam nesse conceito, ele marca presença na cultura empresarial, com efeitos sobre os valores, relacionamentos e interações.

O desafio da gestão de pessoas nas empresas

O óbvio precisa ser dito: uma empresa é feita de pessoas e elas que vão garantir o sucesso ou a falta dele em seus negócios, pois de nada adianta você ter todo o dinheiro do mundo para aplicar em um produto ou serviço se não há investimento o suficiente nos talentos que irão lhe ajudar a alcançar o patamar que você tanto deseja. 

Em seu conceito, a gestão de pessoas trata de um conjunto de práticas voltadas para maximizar o potencial dos comportamentos humanos. Para que isso seja atingido, são aplicadas metodologias especificamente focadas em desenvolver o capital humano da sua empresa.

Fazer esse gerenciamento é uma garantia de que todas as necessidades dos colaboradores serão atendidas e de que eles estarão dentro dos cargos e funções que têm a capacidade para exercer. Se a liderança não conseguir ter esse controle, provavelmente terá problemas em gerir seu time, o que pode gerar conflitos internos, alta rotatividade de pessoas e, consequentemente, a baixa lucratividade e cancelamento de contratos da corporação.

Liderança humanizada

Luciano Alves, colunista da HSM Management, aponta que os índices de engajamento impactam diretamente a produtividade e o crescimento das organizações. Ele sugere como caminho a prática da liderança humanizada e o afastamento da ideia estereotipada de ‘chefe bonzinho’, que está muito longe de representar a figura ideal.

Em vez disso, o que chamamos de liderança humanizada se refere ao desenvolvimento de cinco atributos estruturais:   

#1 Maturidade

Deixamos de viver positiva ou negativamente por referenciais externos  a nós mesmos, conseguimos observar nossas tendências ao condicionamento comportamental a ponto de nos desvincular delas, e aprendemos a nos estabelecer sobre um bem estruturado sistema de valores e objetivos internos. 

Tudo isso graças à autorreflexão, autorregulação e autocrítica – em suma, ao autoconhecimento. 

#2 Visão integral 

Podemos nos beneficiar de estruturas lógicas para adquirir visão integral, como é o caso da Matriz Integral, criada e difundida pelo filósofo estadunidense Ken Wilber

A matriz é formada por duas dicotomias que se combinam. A primeira conjuga subjetividade e objetividade. Nossa saúde psíquica e espiritual é representada na dimensão subjetiva, e a saúde físico-financeira aparece na dimensão objetiva. 

A segunda dicotomia conjuga as funções diferenciadora e integradora do desenvolvimento humano – todos precisamos exprimir no mundo nossa singularidade, sem deixar de cultivar relacionamentos qualificados. 

Um líder com visão integral atribui igual valor aos quatro quadrantes da matriz, e trabalha para promover a saúde em todos eles.

#3  Compreensão do impacto do fator Humano

O principal sinal da maturidade de um líder é a sua sensibilidade empática, seu empenho em criar condições para que as pessoas sob sua liderança cresçam e realizem seus papéis profissionais dentro de certas condições de equilíbrio. 

Os cinco fatores críticos de engajamento, segundo Maylett e Warner, resumem bem essa postura: 

  • O líder ajuda as pessoas a encontrarem o máximo de sentido em suas atribuições;
  • Dão-lhes alto grau de autonomia na escolha de tarefas, métodos, equipes, lugar e horário para se desincumbirem de suas responsabilidades;
  • São parceiros no planejamento e no fornecimento de recursos para que elas conheçam e desenvolvam suas forças autênticas e talentos;
  • Ajudam-nas a ter consciência do impacto positivo de seu trabalho para os clientes e para a sociedade em geral;
  • Promovem eventos de confraternização para que todos se conectem e se integrem cada vez melhor, pois o senso de pertencimento é um dos elementos vitais da saúde psíquica individual e coletiva. 

#4 Práticas estabelecidas para o desenvolvimento das pessoas

Líderes humanizados desenvolvem e consolidam práticas estimulantes e respeitosas, considerando a integralidade das pessoas, sua necessidade natural de conciliar diferenciação e integração para o crescimento. 

Isso desde o momento da contratação, passando pela preocupação de situar as pessoas certas no lugar certo, fazendo acordos de desempenho bem alinhados às suas forças autênticas, dando-lhes voz e protagonismo, mantendo uma comunicação honesta, transparente, dialógica, empática, consistente, e investindo continuamente no despertamento de seus potenciais. 

Tais ações possibilitam às pessoas brilharem, dentro ou fora da organização, pois faz parte da aventura do desenvolvimento humano que elas mudem, progridam, sigam suas aspirações, sentindo-se gratas, certamente, mas nunca presas às plataformas que as lançaram para a grandeza.

#5 Um novo paradigma sobre o capitalismo 

Estamos em uma encruzilhada na evolução humana e social. 

Teremos, sim, de reinventar nossos sistemas a partir de novos paradigmas. Não sonho com um capitalismo humanizado. Sonho com um humanismo capitalizado, em que o desenvolvimento das pessoas deixará de ser considerado um meio para a obtenção de resultados econômicos e passará a ser visto como um fim em si mesmo. 

Nesse novo cenário, as organizações terão de superar os modelos de treinamento e desenvolvimento dos departamentos de recursos humanos e até mesmo as Universidades Corporativas, para tornarem-se Escolas de Florescimento do Potencial Humano. 

Humanização em tempos digitais

Em tempos de pandemia, além dos escritórios modificarem suas operações para o home office as empresas também precisaram digitalizar seus processos de gestão de pessoas.

Segundo Carolina Naomi, CEO da Eureca, apesar de não haver um mapa do tesouro, é possível listar alguns princípios para o bom trabalho remoto e a humanização em tempos digitais:

#1 Confiança

O primeiro passo é adotar uma cultura de confiança. Se ao final do dia e do mês as entregas foram realizadas com excelência, as diferentes rotinas e formas de produtividade de cada pessoa tornam-se um elemento secundário. Esse ‘como’ mais flexível possibilita ao colaborador uma qualidade de vida mais integral, relacionando a liberdade com a responsabilidade.

#2 Adaptação

Entenda: trabalho remoto não é home office. Para esse modelo funcionar é preciso dessa nova ótica sobre autonomia e autogestão para aceitar que o trabalho pode acontecer em qualquer lugar e a qualquer tempo. O desafio da liderança é introduzir aos poucos uma nova mentalidade, enxergar possibilidades e definir quais atividades podem ser feitas remotamente ou não.

#3 Saúde

Outro grande aprendizado desse momento é ter a sensibilidade para encarar que as pessoas estão trabalhando em casa em meio a uma pandemia, o que é diferente de uma cultura de home office ou trabalho remoto de fato. Isso traz inúmeros desafios para que todos desenvolvam sua inteligência emocional e vulnerabilidade.

#4 Rituais

Somado aos ritos de gestão, os espaços focados nas pessoas também são prioritários. Pontos de contato como reuniões de feedback one-on-one, happy hours e até mesmo os check-ins em reuniões coletivas para saber o que está por trás das telas reforçam a empatia e uma visão do todo.

#5 Agilidade

Talvez algumas decisões sejam uma adaptação para o agora, mas outras passem a tornar-se perenes para a empresa. Por isso, implementar uma cultura e um RH ágil é um ótimo caminho para atuar com base no essencialismo e priorizar o que de fato faz sentido para o momento atual, equilibrando o foco no curto e no longo prazo.

 

Para que toda essa transformação seja verdadeira, líderes e liderados devem caminhar juntos em uma jornada autêntica, transparente e coletiva. A humanização nada mais é do que a nossa essência e só precisamos resgatá-la para o ambiente profissional. Aceita o desafio?

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Victor Feitosa

Comunicólogo cearense que atua com programas de desenvolvimento pessoal. Um estudioso e apaixonado por educação, liderança e diversidade. Acredita que esses três pilares podem mudar o mundo se tivermos as pessoas certas nos lugares certos. No mais, adora filmes de terror, séries intrigantes e música pop.

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