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Empresas do futuro, antenadas ao mercado, proporcionam ambientes de inclusão e equidade, gerando oportunidades de crescimento e desenvolvimento para pessoas diversas.


Já começo este artigo com uma provocação. Olhe para o seu ambiente de trabalho, observe seus colegas e responda: quantas pessoas negras trabalham com você e, dessas que trabalham, quantas estão ocupando cargos de liderança?

Não é preciso ir muito longe para percebermos que, apesar das pautas de diversidade estarem avançando no ambiente corporativo, ainda há um longo percurso para que as empresas se tornem, de fato, mais diversas e seguras para a população negra. E esses números se tornam ainda mais escassos quando falamos de mulheres negras.

Felizmente, as tendências de mercado estão mudando, e as empresas do futuro já percebem o quanto a inclusão racial é importante e também benéfica para as organizações.

Recentemente a Forbes lançou uma matéria que afirma que a presença de mulheres negras no topo estimula a inovação. A reportagem ainda cita um estudo da consultoria internacional McKinsey, que faz um levantamento sobre a diversidade em 279 companhias de países diversos. A pesquisa relatou que as empresas que investiram em diversidade étnica e cultural tiveram maior performance financeira, superando em 36% a lucratividade das concorrentes que não fizeram o mesmo. Cindy Rose, CEO da Microsoft UK & NED, afirma em uma entrevista que abraçar a diversidade leva a um pensamento irrestrito, quebrando as formas tradicionais de fazer as coisas e gerando capacidade de identificar problemas e solucioná-los rapidamente.

As empresas do futuro não só reconhecem a importância da diversidade dentro do ambiente corporativo, como tomam ações para que pessoas diversas possam se desenvolver em um ambiente de segurança dentro do trabalho.

O que as empresas precisam entender sobre desigualdade racial?

Para começar, é preciso que as pessoas que compõem as governanças empresariais entendam que o cenário atual de desigualdade não é mera coincidência. Ele representa um fator estrutural da sociedade, onde historicamente as pessoas negras e suas famílias foram desprivilegiadas e injustiçadas por pertencerem a uma etnia.

É importante deixar claro que, quando cito isso, não falo apenas do terrível período escravocrata, mas também de todas as consequências sociais e econômicas que foram acarretadas após a escravidão e que perduram até os dias de hoje, resultando em uma enorme desigualdade de oportunidades e em situações de humilhação, desemprego e violência social.

Um informativo publicado na biblioteca do IBGE afirma que a desocupação, subutilização da força de trabalho e a proporção de trabalhadores sem vínculos formais atingem fortemente a população preta ou parda. Além disso, os indicadores de rendimento também apontam que a desigualdade étnica se mantém independentemente do nível de instrução das pessoas ocupadas. Esses resultados, portanto, são influenciados pela forma de inserção das pessoas negras no mercado de trabalho.

O informativo aponta que essas pessoas ocupam postos de menor remuneração e têm uma taxa de representatividade inferior nos cargos gerenciais, principalmente quando se trata dos cargos de mais altos níveis. As pessoas pretas ou pardas também representam uma maior proporção abaixo das linhas de pobreza, e residem em domicílios com piores condições de moradia e com menos acesso a bens e serviços consumidos pela população branca.

Os números atuais representam uma realidade a ser urgentemente modificada. Portanto, para que as empresas se tornem mais inclusivas e se alinhem às tendências de mercado, é preciso que a história, os fatos acontecidos e esses números percentuais não sejam ignorados.

É necessário observar que simplesmente não há como ter uma competição mercadológica justa entre dois grupos populacionais que têm oportunidades e condições tão desiguais.  

Como tornar sua empresa mais inclusiva e segura para pessoas negras?

Após entendermos o cenário de desigualdade social e estrutural étnica e a importância da diversidade no ambiente de trabalho, é preciso que as empresas pensem em políticas anti-discriminatórias e, principalmente, em ações afirmativas para dentro do cenário corporativo.

Enquanto as políticas anti-discriminatórias visam a repressão aos discriminadores e conscientização das pessoas potencialmente discriminadas, as ações afirmativas são focadas no desenvolvimento das pessoas de grupos diversos dentro do ambiente corporativo, que pode servir tanto para uma reparação dos efeitos da discriminação, quanto para uma prevenção a ela. 

Para tornar sua empresa mais inclusiva, é importante levar em conta algumas questões:

#1 a escuta é necessária

Não adianta apenas trazer pessoas diversas para a sua organização, é necessário ouvi-las. Estar disposto a escutar informações e o que as pessoas têm a dizer é um fator essencial para criar um ambiente seguro de fala. 

#2 considere a jornada de cada um

As pessoas têm histórias diferentes, que resultaram em desenvolvimentos diferentes. Um lugar que visa a equidade considera os fatores externos desde a contratação até a realização de análises empáticas sobre o desempenho das pessoas dentro da empresa.  

#3 proporcione o desenvolvimento

Tendo em vista os grandes números de desigualdade social, considere viabilizar o desenvolvimento das pessoas dentro da sua organização. Forneça cursos de capacitação, incentive a cultura de aprendizado contínuo, construa caminhos para o crescimento e aprendizado das pessoas diversas dentro da empresa.

É importante promover a equidade e colocar os colaboradores no mesmo patamar de habilidades. Afinal, as pessoas só conseguem performar bem quando se sentem valorizadas e acolhidas dentro do ambiente de trabalho, e a capacitação também é uma forma de valorização. 

#4 construa um ambiente antirracista

Desenvolva um ambiente seguro onde o racismo seja simplesmente inaceitável. Eduque as pessoas da organização sobre o assunto e incentive a busca do conhecimento a respeito dessa temática. Não é papel das pessoas negras educar as outras sobre o racismo, é preciso que as pessoas brancas façam o dever de casa.

#5 entenda seu lugar de fala

Todas as pessoas que vivem em uma sociedade têm um lugar de fala sobre as questões sociais.

Quando falamos de uma sociedade estruturalmente racista, portanto, todas as pessoas podem (e devem) defender pautas antirracistas, desde que entendam em qual posição perante o racismo cada um está. Ou seja, as pessoas brancas não podem falar pelas pessoas negras, mas, ouvindo as pessoas negras, podem dialogar sobre a pauta entendendo seu lugar de fala dentro da estrutura social. 

(Para mais informações sobre essa temática em específico, deixo como sugestão o livro “Lugar de fala”, da autora Djamila Ribeiro).

Cinco passos para construir um ambiente empresarial de equidade

O artigo “How to promote racial equity in the workplace”, publicado pela Harvard Business Review, considera 5 passos importantes para construir um ambiente empresarial de equidade entre os colaboradores:

Passo #1 – consciência do problema

Para algumas pessoas, é óbvio que o racismo continua a oprimir a população negra. Porém, mesmo com a imensa quantidade de pesquisas, dados e estudos amostrais, muitas pessoas majoritariamente brancas e privilegiadas não conseguem ver as coisas dessa forma.

As pessoas acreditam não serem racistas, pois partem do pressuposto de que essa prática só existe quando há uma ação direta e intencionalmente maliciosa, desconsiderando os formatos do racismo estrutural. Portanto, é importante conscientizar todas as pessoas da sua equipe sobre a problemática e a estrutura da sociedade.

Passo #2 – análise da raiz do problema

Não há como ignorar as possíveis causas.

O racismo pode ter muitas fontes psicológicas, preconceitos cognitivos, ideologias deturpadas, ou necessidade de ego e poder sobre o outro. Entretanto, a causa mais comum do racismo é estrutural, cultural e institucional. Porém, mesmo que não seja intencional e não parta de uma esfera maliciosa, não há desculpa para que essas práticas sejam normalizadas. É preciso analisar a raiz do problema e atuar na reparação dos efeitos. 

Passo #3 – empatia

Uma vez que as pessoas tomam consciência da existência do racismo e de sua raiz, chega a hora de entender se elas se importam o suficiente para fazer algo a respeito.

O artigo da HBR aponta que há uma diferença entre simpatia e empatia, evidenciando que muitas pessoas brancas experienciam o sentimento de simpatia ou de pena quando expostas às questões de desigualdade racial. Mas o sentimento de empatia é o que é necessário para haver mudanças.

As mudanças só serão efetivas quando as pessoas brancas se colocarem no lugar das pessoas negras e sentirem a mesma revolta e dor pelas injustiças cometidas. Uma forma de atingir a empatia é através da educação e exposição dos fatos. 

Passo #4 – estratégia

Depois de o sentimento de empatia ser estabelecido, chega o momento de entender o que fazer a respeito. As lideranças devem se atentar às atitudes pessoais, às normas culturais da empresa, e às políticas institucionais. É preciso criar caminhos para que as pessoas se desenvolvam dentro da companhia, gerando oportunidade de crescimento.

O artigo da HBR define que justiça requer tratar as pessoas com equidade, o que pode significar tratar as pessoas diferentemente, mas de uma forma que faça sentido. Se nem todas as pessoas tiveram as mesmas oportunidades, não há como haver uma competição mercadológica justa. 

Passo #5 – sacrifício

Muitas empresas que querem trazer diversidade e inclusão social para seus negócios, ainda não se comprometem em investir energia, tempo e recursos financeiros em ações que realmente sejam significativas. No entanto, pesquisas demonstram que as empresas que investem em ações inclusivas geram mais lucro a longo prazo e os investimentos em potencialização de talentos sempre são válidos.

  • Nas tomadas de decisão e programas de desenvolvimento, as lideranças devem considerar o campo de jogo desigual e outras barreiras existentes, ocasionadas pelo racismo sistêmico.

Por que ter representatividade racial nas lideranças?

É importante criar uma base cultural forte e um ambiente mais promissor às pessoas diversas. 

Pessoas negras na liderança conseguem realizar ações mais identificáveis com as necessidades específicas desse grupo dentro da empresa. Por isso, ao dar poder de ação a essas pessoas, as empresas conseguem ter um alinhamento maior às pautas raciais, além de proporcionarem caminhos de inspiração para outros colaboradores negros ou pardos, que se veem representados e motivados a se desenvolverem e também assumirem papéis mais promissores.

Assim, ao criar um espaço seguro, empático, consciente e que viabilize crescimento e oportunidades de tomadas de decisão para pessoas diversas, é possível construir um ambiente efetivo de equidade e segurança.

Quer ler mais sobre esse assunto? Nesse e-book, abordamos com maior profundidade a pauta racial. Aproveita também para assinar a nossa newsletter e receber mensalmente nossos melhores conteúdos!

Carolina Abreu

Redatora e ilustradora, graduada em Comunicação, faço parte do time de conteúdo da Eureca. Minha missão por aqui é escrever artigos que apontem soluções criativas e inclusivas para o ambiente corporativo, visando a construção de um futuro com maior nível de equidade e sustentabilidade.

Um Comentário

  • Samir Raoni disse:

    Olá equipe, Eureca!
    Tudo bem com vcs?
    Acabei de ler e reler o artigo:

    ‘O caminho até a maior representatividade racial nas lideranças’, escrito pela comunicadora e ilustradora, Carolina Abreu e gostaria de parabenizar a autora por apresentar os caminhos, motivações e desafios que imperam na real transformação do ambiente corporativo.

    Gostaria de saber se a autora já teve a oportunidade de ler livros dos filósofos Franz Fenon e Anchile Mbembe?

    O motivo é que ambos os filósofos apresentam como acontecem essas relações na sociedade ocidental e que tem uma perspectiva eurocentrica sobre o que tem ou não tem valor.

    A leitura de livros de Anchile Mbembe são essenciais para demonstrar como os dispositivos de poder estão dispostos e como as pessoas não brancas vivem uma opressão profunda nos vários Brasis existentes dentro do Brasil.

    Livros de Abdias Nascimento como ‘O Genocídio do Negro no Brasil’ nos escancara o mito da democracia racial do Brasil e demonstra como a meritocracia é uma falácia.

    Os Cinco passos para construir um ambiente empresarial de equidade apresentados no artigo são de grande importância para que a estrutura possa fazer uma auto reflexão e trazendo para o campo consciente a gente possa trabalhar com as ferramentas que temos.

    Franz Fenon escreveu em seu impactante Pele Negra, Máscaras Brancas (1970):

    “⁠Cada geração deve descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la, em relativa opacidade.”

    Creio que essa é o mais efetivo passo sobre os direitos humanistas, conquistar eqüidade racial, afinal de contas ‘o imperialismo deixa para trás germes de podridão que devemos detectar e remover clinicamente da nossa terra, mas também das nossas mentes⁠’.

    Pois, diante de todo o trauma causado pelo período escravocrata, o que fica constatado e que falar uma língua é assumir um mundo, uma cultura. E todas essas demandas sobre o mundo corporativo só terá o resultado que é necessário se os seus gestores realmente estiveram interessados em diversificar a compreensão narrativa do que constituiu beleza, força e inteligência na formação das civilizações, saindo do holofote Grécia e Roma e entrando na agenda de todos compreender a Mesopotamia e da sociedade matriarcal de Kemet.

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    Com estima,

    Samir Raoni
    Tecnólogo Social em Rede

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