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O ano de 2020 tem colocado nossa humanidade a prova a cada instante. Da necessidade de nos recolhermos para o bem coletivo, até apoiarmos externamente a luta das pessoas pretas e LGBTQ+ contra o racismo e a homofobia. Dentro do campo de atuação da Eureca, acreditamos que olhar para a empregabilidade LGBTQ+ e preta é uma das maneiras que temos de apoiar a luta e seguir nessa jornada, cientes de que ainda temos muito o que mudar internamente. 

E por que a empregabilidade é o nosso foco aqui? 

A Eureca é um hub de soluções para juventudes. Trabalhamos com processos seletivos, treinamentos de desenvolvimento de talentos, ações de marca empregadora e, por meio das parcerias com CMOV, IEEP e Rock University, conseguimos proporcionar acesso a conteúdos e experiências que auxiliem as juventudes na sua transição para o mercado de trabalho. 

Portanto, entendemos que juventudes que se formam enquanto líderes mais conscientes, que irão ocupar os espaços empresariais, têm a oportunidade de serem protagonistas de grandes transformações. 

Queremos que essas juventudes a ocuparem esses espaços sejam cada vez mais diversas. Pois assim contribuímos para um ciclo de inclusão. 

Empregabilidade LGBTQ+ 

Thalita Gelenske é CEO e fundadora da Blend Edu, uma startup que tem como propósito construir um futuro mais inclusivo pelo poder da educação. Isso ocorre por meio do desenvolvimento de  treinamentos e conteúdos educacionais para que as empresas sensibilizem seus colaboradores e líderes sobre diversidade e inclusão. 

Perguntamos para a Thalita, por estar muito próxima de empresas de setores diferentes, qual o panorama da empregabilidade LGBTQ+ hoje, no Brasil, e ela contou que “Infelizmente, ainda existe um longo caminho pela frente quando falamos sobre inclusão da comunidade LGBTQ+ no mercado de trabalho. Pesquisas feitas no Brasil apontam que 1 em cada 5 empresas não contrataria homossexuais e 33% das empresas brasileiras não contratariam pessoas LGBTI para cargos de chefia (fonte: Elancers e Santo Caos). Ao mesmo tempo, vemos que 90% das pessoas trans se tornaram profissionais do sexo, por (entre um dos principais motivos) não terem acesso a oportunidade de emprego.”

Sobre a questão da ocupação dos cargos de liderança, Gelenske traz uma reflexão anterior que é justamente sobre a falta de dados que acaba gerando invisibilidade. “Faltam dados públicos (e muitas vezes organizacionais) para que possamos tomar decisões, criar políticas e mapear o cenário atual. Dependemos de ONGs e coletivos para consolidar outros dados públicos para tentar quantificar o tamanho dela no país. E, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, temos cerca de 9% da população Brasileira LGBTQ+ (o que tende a ser um número subestimado)”. 

Essa falta de dados públicos se reflete nas organizações, pois não existe um mapeamento sobre líderes de empresas que sejam declaramento da comunidade LGBTQ+.  “No entanto, independentemente de termos (ou não) este dado, podemos fazer a seguinte reflexão: quantos executivos e executivas no Brasil falam abertamente sobre sua sexualidade ou identidade de gênero? Será que conseguimos citar (de cabeça) 5 nomes? Só essa reflexão já nos ajuda a entender a problemática.”

Sem um ambiente inclusivo, como vamos reconhecer e falar abertamente sobre o assunto?

Thalita, enquanto mulher lésbica, relata que, mesmo trabalhando em uma startup que busca trabalhar a diversidade dentro das empresas, ainda se sente desconfortável para falar abertamente sobre o tema, a depender do espaço e da cultura da empresa em que estiver. “No entanto, costumo optar por falar como um ato de (re)existência, entendendo que eu ainda estou em uma posição de muito privilégio e preciso levantar essa pauta, conscientizar indivíduos e permitir que mais pessoas tenham acesso às mesmas oportunidades”. 

Porém, isso não se limita à realidade da Thalia. “61% dos funcionários LGBTQ+ no Brasil dizem esconder sua sexualidade para colegas e gestores de acordo com o Center for Talent Innovation. Isso fere um elemento básico de equipes de alto desempenho: a segurança psicológica. Quanto menos as pessoas se sentem confortáveis para ser elas mesmo, menos elas conseguem inovar e atingir bons resultados. Se fizermos um cálculo estimado com base em produtividade, processos judiciais e turnover, vemos uma estimativa de que a homofobia custa 405 bilhões de dólares para a economia Brasileira, segundo a OutNow Global”. 

Práticas adotadas para mudar a realidade da empregabilidade LGBTQ+

A Blend Edu realizou, em abril de 2020, uma pesquisa de benchmarking chamada “Panorama das Estratégias de Diversidade no Brasil e os impactos da Covid-19”. Os resultados mostraram que a pauta de diversidade de gênero é o 4º recorte mais trabalho nos programas de Diversidade e Inclusão (D&I) das empresas que atuam em território nacional. “68% das empresas afirmaram terem ações para endereçar a inclusão da comunidade LGBTQ+, conta Gelenske”. 

Sobre ações que podem ser praticadas para promover um olhar mais inclusivo e respeitoso entre lideranças e colaboradores das empresas, Thalita compartilha que “recentemente pesquisamos as fontes mais renomadas no tema para fazer uma curadoria das diretrizes e recomendações feitas por elas, escrevendo um artigo no nosso blog com o que descobrimos e dando 5 dicas para construir um espaço mais inclusivo para LGBTQ+. Acho que vale replicar aqui os destaques:

    1. Crie bases para a mudança: levante dados, mostre o apoio institucional e promova um ambiente que garanta o respeito, o suporte e a igualdade de oportunidades;
    2. Construa uma base de aliados: busque o apoio da alta liderança e estimule a criação de grupos de diversidade;
    3. Representatividade importa: dê um “lugar à mesa” e ofereça oportunidades de desenvolvimento de carreira para LGBTQ+;
    4. Conquiste corações e mentes: invista em ações de sensibilização e educação;

Vá além dos “muros” da sua empresa e impacte outros stakeholders

Apesar dos avanços necessários ainda serem muitos, existe muita luta por parte da comunidade LGBTQ+ para que eles aconteçam e continuem avançando. Nesse sentido, as redes sociais acabam tendo um papel importante que é de espaço para que vozes muitas vezes marginalizadas, possam produzir conteúdo, se posicionar e cobrar lideranças e autoridades, por melhorias na representatividade e adoção de medidas que impactem positivamente a realidade da comunidade LGBTQ+.  “Para você ter uma ideia, o YouTube hoje tem 2,3 milhões de vídeos com conteúdo LGBTI! Essa é uma realidade única e totalmente em linha com as transformações que vivemos hoje”, compartilha Thalita. 

Sobre países que estão indo bem no processo de igualdade de gênero 

Atualmente, não existe nenhum país que tenha atingido a igualdade de gênero. Por isso mesmo esse tema é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Assim, podemos olhar para os países que, apesar de não terem chegado lá, estão fazendo esforços para alcançar a igualdade de gênero.  Se olharmos o Global Gender Gap Report (lançado anualmente pelo Fórum Econômico Mundial), temos no topo: Islândia, Noruega, Finlândia, Suécia e Nicarágua. 

“No final de 2019, tive a oportunidade de fazer uma imersão em igualdade de gênero na Dinamarca, conhecendo o ecossistema de empresas e startups no país. A Dinamarca é o 14૦ país no ranking, então (bem ou mal) tem uma colocação bem à frente do Brasil (que está na posição 92). Cheguei a fazer um post sobre uma experiência imersiva e os aprendizados no blog da Revista HSM”. 

Em relação a como avançar na pauta de igualdade de gênero e na empregabilidade LGBTQ+, Thalita traz os “princípios de empoderamento feminino”, propostos pela Organização das Nações Unidas(ONU): 

  1. Estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero, no mais alto nível.
  2. Tratar todas as mulheres e homens de forma justa no trabalho, respeitando e apoiando os direitos humanos e a não-discriminação.
  3. Garantir a saúde, segurança e bem-estar de todas as mulheres e homens que trabalham na empresa.
  4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres.
  5. Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas de empoderamento das mulheres através das cadeias de suprimentos e marketing.
  6. Promover a igualdade de gênero através de iniciativas voltadas à comunidade e ao ativismo social.
  7. Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção da igualdade de gênero.

Empregabilidade preta 

Também é importante abordar a questão da empregabilidade sobre o aspecto da diversidade racial. Se as pessoas pretas tivessem as mesmas oportunidades que as pessoas brancas, provavelmente teríamos um retrato da desigualdade no Brasil bem diferente. 

Nós, da Eureca (e do Grupo Anga), somos contra o racismo e somos antirracistas. 

Trabalhamos por e para um mercado de trabalho mais diverso e reconhecemos que ainda temos muito o que avançar internamente. Pretendíamos, aqui, conversar com as pessoas pretas da Eureca e do Anga sobre o mercado de trabalho. Porém, no tempo em que esse artigo foi produzido, essas pessoas encontravam-se muito machucadas por tudo o que vem acontecendo com seus iguais. Mas não queríamos deixar de trazer essa realidade e mantivemos o assunto aqui, com a entrevista da Larissa Bispo, mulher, preta, carioca, produtora de conteúdo na Blend Edu e que, como vocês lerão, tem muito o que compartilhar com a gente. Mas saibam que ainda produziremos muito conteúdo pela frente feito pelas pessoas pretas dessa empresa. 

E vamos de Larissa. Ou Lari. Ela é jornalista, formada em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ) e mestranda em Educação pela mesma instituição de ensino. Ela trabalha como redatora, roteirista e produtora de conteúdo. Além do cargo na Blend Edu, ela colabora com a Olabi, uma organização social com foco na democratização da tecnologia, especialmente no projeto PretaLab, de inclusão de mulheres pretas na tecnologia, sendo responsável pela parte de comunicação. Além disso tudo, ainda atua como roteirista de produtos digitais. Ufa! Terminei a apresentação dela. 

Atualmente, a população preta e parda brasileira corresponde a 63,2% (IBGE, 2018). Pela primeira vez na história, eles se tornaram maioria nas instituições de ensino superior. Porém, eles ainda não são, nem de perto, a maioria no mercado de trabalho. Quiçá em cargos de liderança.

A luta não para quando se conquista o espaço. “A inserção em si no mercado de trabalho não foi tão complexa devido a minha formação em uma universidade pública. Por outro lado, a informalidade que nos é reservada até hoje, é um problema que permanece. A questão racial também já influenciou, muitas vezes, meu ambiente de trabalho. Assim que saí da universidade, mudava de estágio/emprego constantemente, por não me sentir confortável/acolhida em ambientes majoritariamente brancos e que não se adaptavam à minha realidade como mulher negra. Foi um processo longo e, muitas vezes, dolorido”, conta Larissa. 

Assim como existe a batalha por representatividade na diversidade de gênero, na racial não é diferente. 

“Quando a gente fala de representatividade ou inclusão, ainda existe um longo caminho. Porque, na prática, não é um processo fácil. Demanda não só uma mudança de mindset, mas uma transformação profunda na cultura organizacional empresarial que está imersa em uma lógica branca, heterossexual e masculina. No mercado de tecnologia no Brasil, por exemplo, uma área historicamente branca, em 21% das equipes de tecnologia do país não há sequer uma mulher, enquanto em 32,7% dos casos não há nenhuma pessoa negra, segundo dados da pesquisa Quem Coda o Brasil, realizada pela Thoughtworks e pela PretaLab”, compartilhou Larissa. 

Como falado acima, ocupar o espaço não é garantia de representatividade, pois isso não significa a oportunidade de alcançar cargos de liderança. “Uma pesquisa do Instituto Ethos com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil aponta que os negros são de 57% a 58% dos aprendizes e trainees, mas na gerência eles são 6,3%. No quadro executivo, a proporção é ainda menor: apenas 4,7% são negros”, conta Larissa.

Ela ainda complementa: “Isso se deve, principalmente, à ideia de que diversidade e inclusão é assunto somente da área de RH, de quem contrata, de quem assina o papel, uma questão de números, quando, na verdade, é um processo de sensibilização de todos na empresa, que precisa necessariamente ser revertido em adaptações práticas e um olhar para a questão que, de fato, inspire mudanças não somente no quadro de funcionários, mas na cultura da empresa, nas relações trabalhistas, e na remuneração salarial, por exemplo. As políticas adotadas hoje pelas empresas ainda não são o suficiente e há um longo caminho a se percorrer.”

Ouça, aprenda e venha junto para a causa da empregabilidade

Ao perguntarmos para Larissa Brito sobre práticas e iniciativas para mudar essa realidade, ela trouxe uma lista incrível. Pode ser que, dependendo de onde você mora ou por alguma outra questão, você não consiga participar dessas frentes especificamente. Não tem problema. Com certeza tem algo similar perto de você, que possa te receber. Uma parte importante para se tornar antirracista é a busca por conhecimento e oportunidades de engajamento na causa. Então, busque, pergunte e você há de encontrar.

Pra te ajudar a começar. segue a lista que tínhamos falado.

“Nos últimos anos, foram criados diversos projetos e iniciativas que buscam incluir e incentivar a entrada e a permanência de pessoas negras no mercado de trabalho formal:

  • O Empregueafro atua com profissionais e empregadores, capacitando jovens negros para processos seletivos e também fazendo consultoria para empresas que buscam se atualizar aos debates de inclusão social.
  • A Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural (Afrobras) é uma das principais organizações de inclusão e empoderamento afroétnico do país, sendo responsável, dentre uma série de iniciativas, pela Flink (Festa do Conhecimento, Literatura e Cultura Negra), pelo Troféu Raça Negra e pela Black Fair, uma feira de afroempreendedorismo focada em gestão, inovação e troca de estudos. Além disso, a Afrobras também coordena dois projetos de inclusão, a Faculdade Zumbi dos Palmares e o Portal de Empregos.
  • A PretaLab trabalha para a inclusão de mulheres negras na área de tecnologia e, no ano passado, criou uma ferramenta de mapeamento de perfis dessas mulheres. 
  • O Instituto Ethos, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) e o Institute for Human Rights and Business (IHRB), com o apoio do Movimento Mulher 360 e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), deram origem a Coalizão Empresarial para Equidade Racial e de Gênero a fim de impulsionar a promoção da diversidade e da igualdade racial e de gênero no mercado de trabalho. Mais de 50 empresas fazem parte da Coalizão.
  • O CEERT, Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades colabora, há 30 anos, produzindo pesquisas, dados, projetos e editais sobre a questão racial e o mercado de trabalho no Brasil.

Essas são só algumas das iniciativas sendo feitas, mas há outras várias espalhadas pelo país, de organizações sociais e das próprias empresas”. 

A comunidade preta já tem feito muito. O que todos nós podemos fazer pelo avanço da melhoria da empregabilidade preta e pelo fim do racismo?

“Principalmente, trazendo o debate para o centro das questões pautadas em raça. A inserção e permanência no mercado de trabalho é um assunto essencial e prioritário na agenda do movimento negro e isso vem trazendo avanços no debate, inclusive a organização e criação de iniciativas e movimentos em torno do tema. A população preta nunca deixou de lutar e continua pressionando as organizações, os governos e a sociedade civil para que hajam mudanças efetivas na realidade brasileira quando olhamos para o quadro de colaboradores das grandes empresas. 

Ainda há um gap na produção de dados sobre o assunto. Não só no Brasil, mas na América Latina, a quantidade de pesquisas que cruzam dados de raça, gênero e mercado de trabalho não é volumosa. Há uma incipiência ainda maior quando falamos de mulheres negras. Vejamos: é possível dizer que estamos combatendo o problema da falta de inclusão de pessoas negras em uma empresa quando contratamos homens negros. E que estamos incluindo mulheres, quando contratamos mulheres brancas. Para as mulheres negras, muitas vezes, sobra esse não-lugar. É preciso que hajam mais pesquisas, dados e informações que cruzem gênero, raça e mercado de trabalho. Somente dessa forma é possível que se cobrem políticas públicas e mudanças efetivas nas políticas empresariais”. 

Por fim, Larissa conclui o papo com uma mensagem muito valiosa para todas e todos nós: 

Eu desejo hoje, mais do que nunca, o fortalecimento de uma sociedade antirracista. Que pessoas, organizações e governos, formados por pessoas brancas e não-brancas, se juntem à luta pelas mudanças necessárias para a construção de uma sociedade não somente mais justa, mas que seja, de fato, antirracista. Precisamos nos incomodar mais com a ausência de negros e negras em certos espaços. Isso só vai acontecer quando todos nós nos vermos parte das transformações que o mercado, de fato, precisa articular”. 

Porque não basta ser contra homofobia e racismo só na teoria. Precisamos ouvir, aprender e utilizar dos nossos privilégios para conseguir mudarmos a nossa realidade de uma empregabilidade excessivamente branca, hétera e masculina. 

Se você deseja aprofundar mais seus estudos sobre diversidade no mercado de trabalho, a gente bateu um papo com a Thalita Gelenske e a Pati Lima, da Dow, no episódio #36 do EuCast. Para ouvir, acesse o podcast da Eureka.

Esse artigo foi produzido pela Maria Fernanda, a Mafê da Eureca, responsável pela gestão e produção de conteúdo voltado para juventudes, uma verdadeira apaixonada pela escrita e pelas transformações que cada um pode e deve fazer no mundo.

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Mafê

Jornalista mineirinha, mais conhecida como Mafê do time Eureca, é responsável por tudo de conteúdo que você, jovem, vê nos canais Eureca, além de acalentar o seu coração com a nossa newsletter, a The Talk.

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